O que é psicocirurgia?
Buracos no crânio: psicocirurgia de
antigamente ?
Os primeiros pioneiros
A história da lobotomia
A galeria da fama da lobotomia
Psicocirurgia moderna
Neurocirurgia esterotáxica
Psicocirurgia hoje
Recursos na Internet
Para muitas pessoas, a psicocirurgia é uma palavra temerosa. Ela tem o poder de recordar o pesadelo da lobotomia, a infeliz operação do cérebro inventada pelo médico português, Dr. Egas Moniz que mutilou as vidas de milhares e milhares de pessoas mentalmente perturbadas nos anos quarenta e cinqüenta. Entre as suas vítimas, havia algumas personalidades famosas, como a irmã de presidente americano John Kennedy e a atriz de Hollywood Francis Farmer.
Muitos livros, peças de teatro e filmes trataram deste assunto, que freqüentemente retratavam a psicocirurgia como um mal tenebroso e uma forma autoritária de controlar o comportamento indesejável, como em " Laranja Mecânica, por Anthony Burgess (a figura acima mostra o ator Malcom McDowell sendo sujeitado a uma sessão de controle cerebral), ou o filme cravejado de Oscars "Um Estranho no Ninho" com o ator Jack Nicholson.
Mas o que é fato e o que é ficção?
Como a psicocirurgia evoluiu a partir das grosseiras operações de perfuração do crânio, usada por feiticeiros e médicos desde os tempos neolíticos para afastar os demônios e doenças de mente, em um procedimento moderno para alterar comportamento humano?
A psicocirurgia está sendo usada ainda? Para que propósito?
A psicocirurgia é o tratamento científico de desordens mentais por meio da cirurgia do cérebro.
Pode parecer absurdo que a destruição de uma área do cérebro, o mais delicado e complexo de todo o orgãos, possa levar a uma melhoria de um processo mental. Mas esta noção não é nova nem absurda em medicina. Pense no que acontece quando um outro orgão ou tecido, como uma glândula, são infectados e ameaçam o equilíbrio e sobrevivência do organismo inteiro. Muitas vezes a única solução é remover isto permanentemente e eliminar a fonte da patologia.
Os antecedentes históricos da psicocirurgia moderna estão perdidos no passado mais distante. Já nos tempos do período neolítico há 40,000 anos atrás, o homem realizava cirurgias do crânio, como mostram os achados arqueológicos que revelaram milhares de crânios, com buracos cirúrgicos, praticamente em todo o mundo. Esta cirurgia, chamada trepanação, era realizada para liberar "demônios e espíritos ruins que os médicos antigos acreditavam serem os responsáveis pela loucura e doença de cérebro.
Nos tempos medievais, houve um período onde operações falsas eram executadas por médicos curandeiros, para extrair a chamada "pedra da loucura" a qual eles queriam que as pessoas acreditassem que era a fonte das doenças mentais.
Porém, foi somente nos últimos anos do século IX que as abordagens racionais para psicocirurgia foram tentadas pela primeira vez. Um cirurgião suíço chamado Burkhardt, executou em 1894 uma operação para destruir seletivamente os lobos frontais de vários pacientes que ele pensou que poderiam controlar sintomas psicóticos, O conhecimento de que esta parte do cérebro era envolvida com as emoções já era conhecido de casos clínicos onde eles foram destruídos por acidentes ou tumores, como o caso famoso de Phineas Gage, ou através de experimentos com animais. Além disso, o advento da anestesia e assepsia, e o progresso técnico em neurocirurgia convencional trazido por pioneiros como Sir Victor Horsley, no Reino Unido, e Harvey Cushing, nos E.U.A. fizeram possíveis abordagens cirúrgicas cirúrgicas ao cérebro que antes não era possível.
A primeira técnica consistente para a psicocirurgia foi desenvolvida pelo neurologista português Dr. Antônio Egas Moniz, e realizada pela primeira vez em 1935, com o seu colega, Almeida Lima. Moniz baseou sua operação no achado que tinha sido feito alguns anos antes, de que certos sintomas neuróticos induzidos em chimpanzés poderiam ser diminuídos cortando-se as fibras nervosas que conectam o córtex prefrontal com o resto do cérebro. Ele desenvolveu uma técnica chamada leucotomia ou lobotomia que consistia de cortar tratos de fibra entre o tálamo e os lobo frontal, usando uma faca especial chamada um leucótomo.
Os resultados de Moniz foram considerados tão bons, que a lobotomia começou a ser usada em vários países como uma tentativa de reduzir psicose e depressão severa ou comportamento violento em pacientes que não podiam ser tratados com qualquer outro meio (na ocasião, não havia muitos: o choque induzido por insulina e o choque eletroconvulsivo também estavam em seus estágios iniciais e os medicamentos ainda não estavam disponíveis). Assim, a lobotomia era empregada principalmente em pacientes institucionalizados que também mostravam agitação crônica ou angústia e comportamento obsessivo-impulsivo. Moniz foi premiado com o Nobel em 1949 por sua descoberta.
Dois cirurgiões americanos, Walter Freeman e James Watts, adotaram entusiasticamente o procedimento de Moniz e o melhoraram. Eles desenvolveram um procedimento cirúrgico rápido e fácil chamado " leucotomia trans-orbital" que podia ser feita em alguns minutos sob anestesia local em um consultório médico. Ela consistia na inserção, com a batida leve de um martelo, de um instrumento de quebrar gelo através do teto das órbitas, seguido de um movimento lateral rápido para romper as fibras. Freeman operou, dissertou e ensinou extensivamente nos Estados Unidos popularizando a leucotomia como uma ferramenta para controlar o comportamento indesejável, através dos manicômios da nação, hospitais e clínicas psiquiátricas.
Assim, entre os anos de 1945 e 1956, mais de 50,000 pessoas foram sujeitas a lobotomia no mundo inteiro, ou seja, em baseadas em uma evidência muito escassa e pouco rigorosa (alguns dizem até que inteiramente injustificada). Logo ficou aparente que, embora a lobotomia reduzisse o comportamento severamente agitado e violento e acalmar alguns pacientes psicopatas; havia muitos efeitos indesejáveis. A lobotomia prefrontal produzia " zumbís ", ou seja, pessoas sem emoções, apáticas para tudo, com drive e iniciativa reduzida. Eles também perdiam várias funções mentais superiores, como comportamento socialmente adequado e a capacidade de planejar ações.
Em muitas casos, a lobotomia foi amplamente usada não como uma ferramenta de último recurso, como queria Egas Moniz e outros médicos mais responsáveis , mas sim em crianças com problemas, adolescentes rebeldes e oponentes políticos.
Com o aparecimento de drogas efetivas contra ansiedade, depressão e psicoses, nos anos cinqüenta, e com a evidência de seu abuso difundido e efeitos colaterais, a lobotomia e outras formas de leucotomia foram abandonadas naquela década, e hoje já não é mais executada.
Mas este não foi o fim de psicocirurgia. Com o avanço de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, como é o caso a neurocirugia estereotáxica funcional, os médicos puderam dispor de um novo método para destruir com alta precisão muitas áreas menores do cérebro envolvidas no controle emocional. O conhecimento científico sobre o sistema que controla o comportamento também foi se tornando mais extenso. Estas lesões pequenas não têm virtualmente nenhum efeito em outras esferas intelectuais ou emocionais, e geralmente são muito efetivas em controlar comportamento violento causado por tumores intracranianos ou por um foco epiléptico irritativo na " parte emocional " do cérebro. Depressão severa intratável e ansiedade, ou dor crônica causada por câncer terminal através de dano ao sistema nervoso, podem ser beneficiados pela cingulectomia estereotáxica (a lesão do córtex de cingular) ou amigalectomia (a lesão dos corpos amigalóides).
O desenvolvimento da radiocirurgia por um neurocirrgião sueco, Dr. Lars Leksell, nos anos setenta, permite agora que os médicos removam quantias minúsculas de tecido de cérebro sem abrir o crânio. Usando feixes de radiação ionizante de alta energia, produzidos por um acelerador linear, uma pilha nuclear ou fontes externas de cobalto radioativo, assim como sofisticados softwares de computador e técnicas de avançadas de obtenção de imagens do sistema nervoso (tomografia computadorizada), os neurocirurgiões podem agora definir com grande precisão, as áreas, núcleos ou fibras dentro do cérebro. Porém, menos que 200 cirurgias deste tipo são realizadas todo ano nos Estados Unidos, porque sua indicação é altamente seletiva.
O AutorProf. Renato M.E. Sabbatini, PhD é neurocientista e especialista em informática médica, com doutorado
em neurofisiologia pela Universidade de São Paulo, Brasil, e cientista convidado do Instituto Max Planck
de Psiquiatria, em Munique, Alemanha. Ele é o diretor do Núcleo de Informática Biomédica e professor livre-docente e coordenador da área de
informática médica da Faculdade de Ciências Médicas, ambos na Universidade Estadual
de Campinas, Brasil. |